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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A corrida controlada é saúde prolongada

Referindo-se em Um Político Assume-se (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011) a um período de prisão sofrido em 1949, Mário Soares escreve: “Numa fria madrugada fui interrogado na sede da PIDE por um tal Farinha Santos, meu antigo colega na Faculdade de Letras, que era então agente qualificado da polícia política. Brincando com uma pistola enquanto me interrogava, disse-me: “Se disparar e o matar, nada me acontecerá. Todos dirão que disparei em legítima defesa.” (…)” (p. 54). O “pide” a que Soares se refere era Manuel Luís de Macedo Farinha dos Santos (1923-2001), inscrito em 1942 na licenciatura de Ciências Histórico-Filosóficas da FLUL, que deixaria incompleta para só a terminar em 1958. A carreira de Farinha dos Santos na PIDE, onde atingiu a categoria de subinspector, terá terminado por volta de 1954, quando partiu para a Ásia ao serviço do Ministério do Ultramar. Depois de voltar à vida académica, dedicou-se à arqueologia e iniciou um percurso que o tornou um dos principais nomes da Pré-História portuguesa. Este artigo de João Luís Cardoso em O Arqueólogo Português resume a vida de Farinha dos Santos, professor, autor de Pré-História de Portugal (Verbo, 1972) e responsável pela descoberta e estudo da arte paleolítica da gruta do Escoural. 

No livro A História da PIDE (Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2007), Irene Flunser Pimentel refere que, ao serviço da polícia política, Manuel Farinha dos Santos foi suspenso por 60 dias em 1948 por embriaguez e agressões a dois presos (p. 64). No mesmo ano, um informador acusou Farinha dos Santos de se apoderar do dinheiro destinado ao pagamento das informações daquele, acusação a que a PIDE não deu credibilidade (p. 318). Além de Mário Soares, Farinha dos Santos interrogou outro colega da Faculdade de Letras, Carlos de Aboim Inglês (p. 148).

Quando ocorre o 25 de Abril, Manuel Farinha dos Santos é director do Panteão Nacional, cargo que ocupa desde 1968. Os anos passados na PIDE levam-no à prisão e ao afastamento das suas funções. Em 11 de Junho de 1975, o Diário do Governo, II Série, declara Farinha dos Santos “demitido do respectivo cargo, a partir de 11 de Março último”, por despacho do ministro da Educação e Cultura, José Emílio da Silva. A 21 de Junho, a mesma publicação corrige a informação anterior: “por se ter provado que foi subinspector da ex-PIDE/DGS”, Manuel Farinha dos Santos está abrangido pelo artigo 7º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 123/75, de 11 de Março, o que justifica a pena de demissão da função pública, aplicada a todos os ex-funcionários da antiga polícia. De acordo com João Luís Cardoso, viria a ser reintegrado em 1982, “não ressarcido de todos os desgostos sofridos”, prosseguindo em universidades privadas a sua actividade de professor. 

Paralelamente, a anterior pertença aos quadros da PIDE torna Farinha dos Santos arguido, por crime punido pela Lei nº 8/75, de 25 de Julho. No arquivo da Comissão de Extinção da PIDE/DGS (guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa), consta uma ordem de libertação provisória em nome do ex-subinspector Manuel Farinha dos Santos, datada de 29 de Abril de 1976 (com a assinatura do então presidente da Comissão, Manuel Ribeiro de Faria), que obriga o arqueólogo, entre outras condições, a apresentar-se de 20 em 20 dias na esquadra da PSP do Matadouro, em Lisboa, e a pagar uma caução de 30 mil escudos. O processo nº 487, relativo a Farinha dos Santos, será remetido em 22 de Maio de 1979 ao 4º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, desconhecendo-se ainda a data do julgamento e a sentença. A pena aplicada pelo TMT não terá, provavelmente, ultrapassado o tempo de prisão preventiva já cumprido por Manuel Farinha dos Santos.

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